O direito de permanecer calado

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Há dez anos o que você dizia podia não importar muito, mas o curioso da era da internet é que muito mais coisa está sendo colocada e deixada por escrito, na forma de mensagens de e-mail, conversações de chat (algumas delas gravadas automaticamente), comentários e blogs.

Tudo que você disser poderá ser usado contra você. E eventualmente será.

Em abril passado a jornalista Rachel Mosteller escreveu, sob um pseudônimo, a seguinte entrada no seu blog pessoal:

Odeio meu local de trabalho. Sério mesmo. Tudo bem, primeiro: eles tem esses premiozinhos estúpidos que espera-se aumentem a motivação do pessoal. Você vai e faz alguma coisa “espetacular” (com toda a probabilidade você está fazendo é o seu TRABALHO) e daí alguém diz “Caramba, isso foi espetacular”, então escrevem seu nome num papel, trazem chocolate e balões de gás.

Duas pessoas na redação ganharam isso. POR FAZEREM O TRABALHO DELAS.

Note que:
( 1 ) o nome verdadeiro da jornalista não aparecia no blog;
( 2 ) o nome da empresa onde ela trabalhava não aparecia no blog;
( 3 ) o nome do chefe da jornalista não aparecia no blog;
( 4 ) o nome dos dois empregados premiados com chocolate e balões de gás não aparece no blog;
( 5 ) a cidade ou o estado do odiado “local de trabalho” não apareciam no blog.

Mas alguém estava lendo. No dia seguinte a dona foi despedida.

A matéria do Washington Post em que li essa notícia menciona uma série de outros casos de gente que foi mandada para a rua por desfiar opiniões – digamos – pouco lisonjeiras sobre seus locais de trabalho em seus blogs pessoais.

E agora, José? Onde começa a vida pessoal e termina a vida corporativa?

Antes que eu caia em maus lençóis, cabe dizer que tudo aqui na Bacia das Almas é ficção; que qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas, etc, etc, etc; e que se o que eu disser puder ser interpretado de mais de uma forma, interprete por favor da forma mais amena, mais inócua e menos inteligente.

Vai ser melhor pra todo mundo.

——- extraído do blog – http://www.baciadasalmas.com/

Deus não escreve não-ficção; por que alguém deveria?

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Enquanto um autor se limita a narrar acontecimentos ou a traçar os tênues desvios de uma consciência, podemos supô-lo onisciente, podemos confundi-lo com o universo ou com Deus; quando se rebaixa a raciocinar, sabemo-lo falível. A realidade procede dos fatos, não dos raciocínios; a Deus toleramos que se afirme “eu sou o que sou” (Êxodo 3:14), não que declare ou analise, como Hegel ou Anselmo, o argumentum ontologicum. Deus não deve teologizar; o escritor não deve invalidar com razões humanas a momentânea fé que exige de nós a arte. Há outro motivo: o autor que mostra aversão por um personagem parece não terminar de entendê-lo, parece confessar que este não é inevitável para ele. Desconfiamos de sua inteligência, do mesmo modo que desconfiaríamos da inteligência de um Deus que mantivesse céus e infernos. Deus, escreveu Spinoza (Ética 5:17), não odeia ninguém e não deseja ninguém.

 

Jorge Luis Borges, explicando porque os primeiros livros de H. G. Wells, que limitam-se a contar histórias e não se rebaixam a defender teses, são superiores aos demais. No processo, acaba esclarecendo porque Jesus só contou histórias. Ainda Otras Inquisiciones (1952).